Com o avanço do Covid-19 no Brasil é possível identificar os desafios enfrentados por mulheres negras e suas famílias nas periferias ondem residem.
Em que pese a disseminação de informações e medidas de prevenção visando impedir o crescimento do índice de infectados pelo vírus, dentro das comunidades periféricas a realidade é bem diferente pois, abandonados e invisíveis pelo poder público, os moradores sofrem severas violações de seus direitos como cidadãos, tais como suspensão no fornecimento de água, ausência de vacinas para o grupo de riscos nos postos de saúdes, dentre outros.
No dia 20 de março, em um bairro da zona norte do Recife, ficou evidenciada pela mídia a forma de como a população periférica é tratada quando aciona o sistema de saúde em busca de atendimento médico, veja:
A nossa Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º Caput, prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Vale ressaltar que o respeito ao princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual, ou seja “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”
Acerca do registro supra indagamos: Está sendo respeitado o direito dessa mulher negra no que diz respeito ao princípio da igualdade garantido constitucionalmente? Acaso fosse o socorro de uma moradora da zona sul, o modo de resgate seria o mesmo? Essa moradora receberá o mesmo tratamento médico de que outra moradora da zona sul junto ao nosso sistema de saúde?
Inconteste o tratamento desrespeitoso para com a população periférica, e em se tratando de mulher negra, é costumeira a total ausência de humanidade, uma vez que carregamos os estigmas do período escravocrata da nossa ancestralidade, bem como, por continuarmos sendo o outro do outro, estamos na base da pirâmide dessa cadeia hierárquica da sociedade machista, homofóbica, racista, patriarcal e capitalista, e em tempos de pandemia fica ainda mais latente como somos invisíveis e não reconhecidas como um ser de direitos.
Urge salientar que muitas de nós mulheres negras somos chefes de nossas famílias, trabalhamos de forma autônoma, somos mães solo, temos que garantir a subsistência de nossos filhos, sobrinhos, mães, avós. E como no dia a dia já lidamos com ausência de saneamento básico, água potável, energia, saúde e segurança pública, mesmo suportando uma carga tributária maior do que mulheres brancas, temos a todo momento nossos direitos e garantias negados pelos governantes.
E diante de tantas sonegações de direitos, enquanto mulheres negras, temos que continuar lutando para garantir o pão na mesa de nossas famílias, mas como se estamos em quarentena?
Ai que entra em cena o poder inovador e avassalador da força das mulheres negras, que estão se unindo à coletivas, realizando cursos on-line, comercializando em suas casas alimentos e realizando entregas via aplicativos.
Temos como exemplo desse poder, de mexer a estrutura da sociedade em plena pandemia, esta coletiva, a ABAYOMI Juristas Negras, cuja a missão é combater estrategicamente o racismo estrutural, ofertando capacitação, aperfeiçoamento, empoderamento e treinamento de alta qualidade a baixo custo, de forma a promover a equidade das mulheres negras, bem como, criar condições efetivas de inclusão da população negra em espaços de poder e saber.
Assim como as juristas da ABAYOMI, você, mulher que está lendo esse artigo, una-se a suas vizinhas, as coletivas, amigas de profissão e utilize esse momento de quarentena para se profissionalizarem ainda mais, e de quebra gerar uma renda para garantir as necessidades básicas de sua família.
Encerro com o poema da poeta Rayane Leão que cai como uma luva para o momento que estamos vivendo no país. “As mudanças mais bonitas não vem com calma e sossego, são uma ventania incontrolável jogando tudo para cima, nada cai no mesmo lugar, nem coisas, nem o coração, nem VOCÊ! O tempo fechado nos ABRE.!”
Patrícia Oliveira
Advogada
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.
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