O ano de 2020 trouxe com ele um grande desafio, a pandemia causada pela COVID-19. Aqui no Brasil, o novo coronavírus vem impactando a vida de todas as pessoas, bem como o andamento das empresas e de todos os estados. Por causa dela foi decretado, de forma inédita na nossa Constituição Federal, o Reconhecimento de Estado de Calamidade Pública a nível Nacional, conforme decreto legislativo 06/20.
Reconhecer o Estado de Calamidade Pública significa dizer que o Estado precisa tomar medidas emergenciais visando controlar uma situação de instabilidade, que neste caso foi causada pela a expansão da COVID-19. Na atual circunstância, a medida encontrada foi permitir que o Poder Executivo gastasse mais do que o previsto e desobedecesse às metas fiscais para custear ações de combate à pandemia, tudo respaldado no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O artigo 65 da LRF regulamenta que na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação, ficarão suspensas as contagens dos prazos e serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho.
Além disso, a decretação de reconhecimento de Estado de Calamidade pública abre a possibilidade de o estado instituir um novo tributo, qual seja o chamado Empréstimo Compulsório. Esse tipo de tributo está previsto na Constituição Federal em seu Art. 148, bem como no Art. 15 do Código Tributário Nacional (CTN), pouco explorado mas já utilizado no Brasil em 1962, antes da Constituição de 1988, em favor da Eletrobrás.
No dispositivo Constitucional fica estabelecido que a União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência ou ainda no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Fica instituído ainda no parágrafo único do Art. 148 que a aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
Assim, verifica-se que esse tipo de tributo pode ser instituído para atender as despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, como é o caso em que o país está vivenciando neste momento. Diante dessa possibilidade, foi apresentado pelo Deputado Federal Wellington Roberto (PL-PB) o Projeto de Lei Complementar 34/2020, que prevê a destinação de até 10% do lucro das empresas com patrimônio superior a R$ 1 bilhão a empréstimos compulsórios.
Para a instituição desse tributo é necessária à aprovação de uma lei complementar que poderá ser proposta por qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, conforme Art. 61 da Carta Magna.
Ademais, para que um projeto de lei complementar seja aprovado e se torne uma lei, deve ser votado e aprovado nas duas Casas que formam o Congresso Nacional, a Câmara dos deputados e o Senado Federal. A aprovação deve ser por maioria absoluta, ou seja, pela maioria do total do número de deputados federais e senadores.
Esse projeto vem sendo alvo de severas críticas pelos economistas e empresários, que afirmam não ser este o momento para se implementar um novo tributo, tendo em vista a situação de vulnerabilidade que se encontra o país que vive hoje um cenário de demissões em massa em razão da paralização causada pela COVID-19 e a necessidade do isolamento social.
Caso o projeto seja aprovado, a medida poderá contribuir ainda mais para agravar a situação financeira do país, pois as empresas de grande porte também vêm sentindo uma queda significativa em seus lucros em razão da paralização de suas atividades para a proteção das pessoas contra a disseminação do vírus.
Outro ponto discutido é que com a aprovação do empréstimo compulsório as empresas terão que diminuir ainda mais as suas despesas para garantir o pagamento do tributo e a conta recairá diretamente no trabalhador hipossuficiente que já se encontra vulnerável em razão das medidas de suspensão de contrato de trabalho e/ou redução salarial, bem como as demissões em massa que poderão aumentar, acarretando além de ainda mais desempregos, uma instabilidade para os investidores que passarão a questionar a segurança tributária do país.
Apesar das importantes discussões sobre a sua viabilidade, a instituição do empréstimo compulsório poderá tornar-se uma realidade no Brasil caso passe por todo o procedimento necessário e previsto na Constituição Federal para a sua aprovação. Juridicamente é cabível a criação desse tributo na atual conjuntura do país que viverá em Estado de Calamidade Pública até o dia 31 de Dezembro de 2020, conforme dispõe o decreto 06/20, mas é importante o governo ponderar se essa é melhor estratégia a ser tomada neste momento.
Débora V. Gonçalves Batista
Advogada
*Este artigo é produzido com o apoio do Fundo Baobá, por meio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.
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